O salão de feiura
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Fala-se muito
de salão de beleza, no qual as pessoas pagam bem para se tornar mais belas. Mas
eu gostaria de apresentar um novo estilo estético, o do salão de feiura, cuja
cliente, a nossa sociedade, está pagando um alto preço para tornar-se feia e
indesejada.
Tomo o exemplo
ilustrativo da jovem aristocrata Rosaura Montalbani, de Florença, que era
considerada a mais bela mulher da Renascença. Segundo Henry Thomas, Rosaura era
tão linda que, quando chegava à janela, o povo enchia as ruas, impossibilitando
a passagem dos transeuntes. Quando saía às compras, os negociantes recusavam
pagamento das despesas que fizesse. Todos os dias, pescadores retiravam do rio
Arno o corpo de algum jovem que havia morrido por seu amor. Todas as noites,
vigilantes achavam o corpo de algum cavalheiro ricamente vestido, com um punhal
no coração, por haver sido rejeitado por Rosaura.
Ela foi levada
três vezes ao tribunal por amargurados pais de jovens desiludidos. A única
acusação que lhe pesava era a de ser demasiado bela, de modo que os juízes
ficavam tão empolgados pela sua beleza que a mandavam embora em liberdade. Certa
vez ela foi intimada a comparecer perante a justiça, quando o tesoureiro da
cidade, tendo dissipado com Rosaura o dinheiro público, se suicidara. Dessa vez
ela foi condenada ao pelourinho. Mas ninguém quis executar a sentença e, por
isso, foi de novo posta em liberdade.
O jovem duque
de Florença enlouqueceu diante da visão do rosto de Rosaura e foi para uma
capela onde se trancou e pintou as paredes sagradas e o teto de santos, de
anjos sorridentes, de Madalenas penitentes e adoráveis Madonas, todos com as
mesmas feições de Rosaura Montalbani. Mais uma vez ela foi levada ao tribunal. Desta vez,
porém, uma máscara em forma de caveira foi posta sobre sua face, a fim de
evitar que seu belo rosto causasse novas ruínas. Foi sentenciada à reclusão
solitária e a usar aquela máscara para o resto da
vida.
Quando
o Grão Duque Cosme subiu ao trono, 39 anos mais tarde, e concedeu perdão geral
a todos os prisioneiros, encontrou o documento que relatava o caso de uma
mulher apenada sob o suplício da máscara negra, condenada à prisão perpétua,
por ser demasiado bela para viver em liberdade. Cosme mandou buscar a mulher à
sua presença. Quando retiraram a máscara, ele pôs‑se a contemplá‑la longa e
intensamente. “Bela, essa mulher?” — murmurou afinal. Viu uma pele fanada e
os olhos encovados. As feições de Rosaura Montalbani tinham
tomado a forma da caveira.
Essa história ilustra o que pode
ocorrer com a nossa sociedade, se submetida à clausura do salão de feiura da
história, cuja máscara que está lhe sendo imposta, a da criminalidade impune,
não for retirada a tempo. Estamos cercados, enclausurados, presos nos grilhões
dos maus exemplos, e isso fatalmente nos enfeará a existência como sociedade.
Deixar que o mal prospere, enquanto
nos encastelamos nos recantos “seguros” dos nossos lares, não nos tornará
pessoas melhores. Muito pelo contrário, algumas patologias podem se instalar de
modo irremediável em nossas vidas e terão o condão de podar o potencial de
sermos úteis e necessários numa sociedade que precisa desesperadamente da ação
responsável de todos os seus cidadãos.
Se não engendrarmos esforços e
discutirmos amplamente essa questão agora, para pôr fim ao desmantelo que a
criminalidade crescente vem impondo à sociedade, perderemos o que de belo
existe e ficaremos “enfeados”, quando o bem for suprimido pela máscara da
maldade. Seremos pessoas com o espectro da caveira, solitárias e
individualistas, pois não acreditaremos em pessoas ou instituições.
Seremos pessoas medrosas. O medo
pessoal e o medo coletivo nos levarão à beira de um abismo – o esquecimento de
Deus e dos valores fundamentais da vida em comum – criado por nossa própria
“loucura” hedonista. Como resultado, divinizar-se-á o relativo e não haverá
mais absoluto, pois não haverá valores fundamentais pelos quais pautar a vida,
nem Ser absoluto a quem prestar contas. O medo gera desespero, o desespero dá
vazão ao ódio, o ódio nos torna inimigos gratuitos do próximo. Reféns de uma
fome insaciável de significado, não saberemos mais quem somos nem para onde
estamos indo.
A vida sofrerá um processo acelerado
de banalização e a morte campeará à nossa espreita. A injustiça será o
corolário de uma vida que perdeu definitivamente o sentido. E ninguém pode
negar que esse “fantasma” já está instalado em nossa sociedade. Enfim, haverá
um inexorável descrédito no futuro. Esse será o formato que a face da nossa
sociedade tomará por força da “máscara de ferro” que lhe foi imposta pela
criminalidade impune.
Devemos amar a Deus, acima de tudo,
e ao próximo como a nós mesmos. A melhor forma de amar é tanto fazer o bem que
Deus exige como também ser responsáveis em fazer o que é certo para punir o
erro. E se amarmos de fato e de verdade, faremos as mudanças necessárias, mesmo
que isto custe um alto preço para tirar a sociedade do salão de feiura.
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv