terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O salão de feiura

O salão de feiura



Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém




Fala-se muito de salão de beleza, no qual as pessoas pagam bem para se tornar mais belas. Mas eu gostaria de apresentar um novo estilo estético, o do salão de feiura, cuja cliente, a nossa sociedade, está pagando um alto preço para tornar-se feia e indesejada.
Tomo o exemplo ilustrativo da jovem aristocrata Rosaura Montalbani, de Florença, que era considerada a mais bela mulher da Renascença. Segundo Henry Thomas, Rosaura era tão linda que, quando chegava à janela, o povo enchia as ruas, impossibilitando a passagem dos transeuntes. Quando saía às compras, os negociantes recusavam pagamento das despesas que fizesse. Todos os dias, pescadores retiravam do rio Arno o corpo de algum jovem que havia morrido por seu amor. Todas as noites, vigilantes achavam o corpo de algum cavalheiro ricamente vestido, com um punhal no coração, por haver sido rejeitado por Rosaura.
Ela foi levada três vezes ao tribunal por amargurados pais de jovens desiludidos. A única acusação que lhe pesava era a de ser demasiado bela, de modo que os juízes ficavam tão empolgados pela sua beleza que a mandavam embora em liberdade. Certa vez ela foi intimada a comparecer perante a justiça, quando o tesoureiro da cidade, tendo dissipado com Rosaura o dinheiro público, se suicidara. Dessa vez ela foi condenada ao pelourinho. Mas ninguém quis executar a sentença e, por isso, foi de novo posta em liberdade.
O jovem duque de Florença enlouqueceu diante da visão do rosto de Rosaura e foi para uma capela onde se trancou e pintou as paredes sagradas e o teto de santos, de anjos sorridentes, de Madalenas penitentes e adoráveis Madonas, todos com as mesmas feições de Rosaura Montalbani. Mais uma vez ela foi levada ao tribunal. Desta vez, porém, uma máscara em forma de caveira foi posta sobre sua face, a fim de evitar que seu belo rosto causasse novas ruínas. Foi sentenciada à reclusão solitária e a usar aquela máscara para o resto da vida.
Quando o Grão Duque Cosme subiu ao trono, 39 anos mais tarde, e concedeu perdão geral a todos os prisioneiros, encontrou o documento que relatava o caso de uma mulher apenada sob o suplício da máscara negra, condenada à prisão perpétua, por ser demasiado bela para viver em liberdade. Cosme mandou buscar a mulher à sua presença. Quando retiraram a máscara, ele pôs‑se a contemplá‑la longa e intensamente. “Bela, essa mulher?” — murmurou afinal. Viu uma pele fanada e os olhos encovados. As feições de Rosaura Montalbani tinham tomado a forma da caveira.
Essa história ilustra o que pode ocorrer com a nossa sociedade, se submetida à clausura do salão de feiura da história, cuja máscara que está lhe sendo imposta, a da criminalidade impune, não for retirada a tempo. Estamos cercados, enclausurados, presos nos grilhões dos maus exemplos, e isso fatalmente nos enfeará a existência como sociedade.
Deixar que o mal prospere, enquanto nos encastelamos nos recantos “seguros” dos nossos lares, não nos tornará pessoas melhores. Muito pelo contrário, algumas patologias podem se instalar de modo irremediável em nossas vidas e terão o condão de podar o potencial de sermos úteis e necessários numa sociedade que precisa desesperadamente da ação responsável de todos os seus cidadãos.
Se não engendrarmos esforços e discutirmos amplamente essa questão agora, para pôr fim ao desmantelo que a criminalidade crescente vem impondo à sociedade, perderemos o que de belo existe e ficaremos “enfeados”, quando o bem for suprimido pela máscara da maldade. Seremos pessoas com o espectro da caveira, solitárias e individualistas, pois não acreditaremos em pessoas ou instituições.
Seremos pessoas medrosas. O medo pessoal e o medo coletivo nos levarão à beira de um abismo – o esquecimento de Deus e dos valores fundamentais da vida em comum – criado por nossa própria “loucura” hedonista. Como resultado, divinizar-se-á o relativo e não haverá mais absoluto, pois não haverá valores fundamentais pelos quais pautar a vida, nem Ser absoluto a quem prestar contas. O medo gera desespero, o desespero dá vazão ao ódio, o ódio nos torna inimigos gratuitos do próximo. Reféns de uma fome insaciável de significado, não saberemos mais quem somos nem para onde estamos indo.
A vida sofrerá um processo acelerado de banalização e a morte campeará à nossa espreita. A injustiça será o corolário de uma vida que perdeu definitivamente o sentido. E ninguém pode negar que esse “fantasma” já está instalado em nossa sociedade. Enfim, haverá um inexorável descrédito no futuro. Esse será o formato que a face da nossa sociedade tomará por força da “máscara de ferro” que lhe foi imposta pela criminalidade impune.
Devemos amar a Deus, acima de tudo, e ao próximo como a nós mesmos. A melhor forma de amar é tanto fazer o bem que Deus exige como também ser responsáveis em fazer o que é certo para punir o erro. E se amarmos de fato e de verdade, faremos as mudanças necessárias, mesmo que isto custe um alto preço para tirar a sociedade do salão de feiura.